Acordei um dia e vi:
Um quarto leve e gostoso, sem luxo, sem maiores decorações, mas tinha sobre mim uma cama, e ao meu lado, armário. Saí pela porta e me deparei com o corredor, pequeno e verde, mas um aconchegante corredor, que dava até a cozinha. A cozinha não tinha nada de especial, apenas uma mesa pequena, geladeira amarela e fogão, microondas, pia, torradeira. Os azulejos eram preto-e-branco. Não estava repleta de comida, mas tinha ao menos um pouco em cada armário marrom. A cozinha dava para a rua. Uma rua com seus buracos e casas não tão elegantes, mas muito enxuta e segura, tinha até um ponto de ônibus. Do ônibus, se viam as casas correndo pela janela, no contraste com os bancos laranjas e piso metálico. Não era o ônibus mais confortável que andei, mas era um bom ônibus. No outro ponto já vi uma nova rua. Essa, um pouco mais estreita, se estendia por meio da nuvem de fumaça dos carros de todos os tipos (menos dos tipos mais caros). Andando por lá, as casas andavam ao meu lado. Se viam suas rachaduras, porém eram casas... bonitas? Acho que sim. A esquina me ofereceu uma nova visão. Dessa vez, as casas tornaram-se menores e mais vermelho-alaranjado. As roupas se estendiam pelos muros e tetos, banhadas pelo Sol. Não era uma visão que me agradava. Felizmente, dobrei mais uma rua. Infelizmente, nem casas vi. Vi quartos: cada qual com sua cama e paredes (algumas compartilhadas), mas as camas eram de papelão, e as paredes não eram deles, que ali repousavam (nem das moscas que os rondavam). Quase fechei meus olhos, mas continuei... não dá pra ficar pior. Vi suas cozinhas. Coincidentemente, pareciam-se muito com onde eu jogava os restos da minha comida. Parei. Voltei. Lixo, beco, papel, lugar, mãos sujas, papelão, tocas, furos, cheiro, largar, casas, tijolos, tijolos e roupas, sol, varal, gato, garrafa, buraco, cinza, grama, morta, carro, fumaça, caras, fumaça, relógio, assentos laranjas, corda, luz, metal, freio, ponto, seguro, árvore, jardim, casa azul, verde, amarela, vermelha, portão, cozinha, corredor, quarto, ufa! Ainda bem que meu quarto continua o mesmo... Não há com que me preocupar...