"...o falar dos tolos vem das muitas palavras" (Eclesiastes 5:3)
Antes algo sagrado, a palavra hoje perde seu gosto. Sim, eram sagradas essas mesmas letras que hoje espalhamos com tanta naturalidade. Não é para menos. As palavras têm uma função um tanto discreta, mas ao mesmo tempo crucial, na definição de nossa persona. Como uma cerca no pasto extenso, as palavras delimitam, consolidam, paralisam - e matam... Não há nada mais mortal que a palavra. À medida que gastamos mais palavras, morremos mais profundamente, nos esvaziamos. Se as palavras são, geralmente, significados peregrinos, proferi-las significa retirar de nós todo seu significado - deixá-lo livre. Libertamos a palavra - e nos aprisionamos.
Sabe-se de uma lenda há tempos perdida acerca de uma tribo ameríndia, que por aqui vivia muito antes de incas, xavantes, maias, astecas, tupis. Não se sabe seu nome porque não tinham, não podiam. Dar nome a alguém representava sua morte - do nomeado e um pouco do nomeador. Por sinal, pouco falavam. Cria-se que cada homem tinha vida equivalente a cem palavras - e as mulheres, cinquenta. Contavam fielmente cada palavra proferida. Utilizavam as palavras de forma tão sábia e bem colocada que estas adquiriam poderes de cura, destruição, bênção, maldição - e, em raras oportunidades, criação. Nenhum povo usou menos as palavras, mas também nenhum usou melhor. Quando a contagem de palavras atingia seu limite, realizava-se uma cerimônia ritualística: o homenageado era sacrificado após um longo ritual de purificação; não podia uma carcaça viver; não pode o corpo permanecer uma vez que se esgotaram as palavras. O corpo era queimado e, então, davam-lhe um nome; um nome sem letras, um nome composto pelas diversas variações de silêncio que eles conheciam tão bem. Só nomeavam os mortos. Sabiam...
"porque a letra mata e o espírito vivifica" (2 Coríntios 3:6)
Nenhuma palavra pode ser desdita, revogada. Nem a vida que com ela vai. Morreremos todos, então, pois bem - não é nenhuma novidade. A graça está em saber morrer. A morte traz com suas asas negras e infames o medo; carrega no seu dorso a dor; transmitem com suas garras o sofrimento. O velho abutre é silencioso e paciente, atraído pelo cheiro dos corpos pútridos. A última coisa que leva consigo é a esperança. E esta não pode deixar-nos. Não precisa ser assim. Não precisa.
"Pois sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não mais sejamos escravos do pecado; pois quem morreu, foi justificado do pecado. Ora, se morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos. Pois sabemos que, tendo sido ressuscitado dos mortos, Cristo não pode morrer outra vez: a morte não tem mais domínio sobre ele. Porque morrendo, ele morreu para o pecado uma vez por todas; mas vivendo, vive para Deus. Da mesma forma, considerem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus." (Romanos 6:6-11)
A morte virá, inserida em cada palavra. A todo momento - morremos. A graça está em saber morrer. Afinal, é preciso morrer para ter vida. É necessário se esvaziar de restos para ser preenchido. A cada palavra me esvazio mais. A cada letra, sou despido do que é inútil. Quero que vá. Quero ser vazio, um grande nada. Assim e só assim serei completamente preenchido pela vida - vida plena. A morte vem, sim, e com ela traz a esperança. Mato-me todos os dias até que minha existência seja resumida à mais plena, imensurável e inabalável vida. A Graça ensina a morrer - para viver.
"Quem tentar conservar a sua vida a perderá, e quem perder a sua vida a preservará" (Lucas 17:33)
Nenhuma palavra pode ser desdita, revogada. Nem a vida que com ela vai. Morreremos todos, então, pois bem - não é nenhuma novidade. A graça está em saber morrer. A morte traz com suas asas negras e infames o medo; carrega no seu dorso a dor; transmitem com suas garras o sofrimento. O velho abutre é silencioso e paciente, atraído pelo cheiro dos corpos pútridos. A última coisa que leva consigo é a esperança. E esta não pode deixar-nos. Não precisa ser assim. Não precisa.
"Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor enquanto ainda éramos pecadores" (Romanos 5:8)
O preço da morte foi pago. O pássaro negro foi destituído de suas forças. No entanto... ele continua aí, à porta. Pairando. Esperando. Maquinando. A morte não abandonou nosso encalço e ainda persegue com violência. Ela está em cada palavra, em cada suspiro que exala de nossos corpos. Continuamos com uma certeza em vida: a certeza da morte. Mas a graça está em saber morrer. Não precisa ser assim. Não precisa. O velho abutre iniludível pode vir, mas não deve levar consigo a esperança...
A morte virá, inserida em cada palavra. A todo momento - morremos. A graça está em saber morrer. Afinal, é preciso morrer para ter vida. É necessário se esvaziar de restos para ser preenchido. A cada palavra me esvazio mais. A cada letra, sou despido do que é inútil. Quero que vá. Quero ser vazio, um grande nada. Assim e só assim serei completamente preenchido pela vida - vida plena. A morte vem, sim, e com ela traz a esperança. Mato-me todos os dias até que minha existência seja resumida à mais plena, imensurável e inabalável vida. A Graça ensina a morrer - para viver.
"Quem tentar conservar a sua vida a perderá, e quem perder a sua vida a preservará" (Lucas 17:33)