5.2.17

sobre sonhos



Os sonhos são a energia motriz do ser humano, pois são a manifestação mais vívida de esperança. O homem persegue seus desejos mais íntimos com todo seu vigor na expectativa de que neles encontrará a paz. Enquanto trilha seu caminho, nada é capaz de o abalar – é intenso, implacável e perseverante. Quando o caminho chega a seu fim, no entanto, percebe a futilidade de sua busca. Aquilo pelo qual tanto lutara não passa de uma peça decorativa: produz admiração dos outros, mas é essencialmente vazia.

O cristão aprende que sua esperança é Cristo. Nele está a plenitude de todas as coisas; ele é o mistério revelado do universo; a imagem do Invisível; o fim de todos os meios e o começo de todo fim; sem ele, nada existiria, existe e existirá. A esperança do cristão é a vinda do rei do Reino, instaurando a paz completa nos corações humanos. Não há esperança maior. No entanto... O cristão desaprendeu a sonhar. Desiludido dos aperitivos humanos de felicidade própria, deixou de correr vigorosamente a trilha que lhe foi confiada. A visão clara da esperança lesou-lhe as pernas, acomodando-o em sua espera – e esta não lhe traz paz.

O Cristo dos cristãos lhes provê sonhos, marcos tangíveis do Reino-que-há-de-vir. Não há equívoco em persegui-los. Há, sim, na pretensa humildade de evitá-los. Avante, pequenos cristos, corram efusivamente a jornada da vida confiantes no sucesso de seu fim. Corram destemidos, imparáveis! Vivam a plenitude que lhes foi oferecida – agora e eternamente. A certeza da esperança lhes será coroa, não peso. Que seu Cristo possa ser glorificado em você enquanto aguarda ansiosamente sua glória.

18.6.15

Estrada dos Separados




“E ali haverá uma grande estrada, um caminho que será chamado Caminho de Santidade.
Os impuros não passarão por ele; servirá apenas aos que são do Caminho; os insensatos não o tomarão”
Isaías 35.8

Há muito havia uma tribo. Gente remota vivendo em lugares inóspitos. Eram montanhas rígidas, rudes e ralas. Expulsavam os desavisados, regurgitando-os pelas encostas. Havia ali uma tribo. Gente selvagem vivendo em lugares secretos. As montanhas zangadas proviam-lhes tudo o quanto era necessário, nada mais. Não deixavam faltar. Não deixavam sobrar. Eram possessivas e protetoras. Havia ali uma tribo. Gente infeliz vivendo em lugares indômitos. Viviam das montanhas e delas eram escravos. Não lhes era permitido descer. Não sem a permissão das montanhas.
                
Havia um caminho, uma estrada. Um só trajeto os levaria para baixo, para longe do olhar abrasivo das montanhas. Mas não ousavam mais traçá-lo. Estavam presos. E as montanhas, caladas. Faziam-lhes oferendas e sacrifícios. Escolhiam os melhores grãos e animais e consagravam-nos às Damas-Rocha – como se referiam a elas. Rogavam-lhes pelo seu favor, por uma oportunidade de uma vida distante, diferente. Mas as Damas calavam-se. Não lhes era ainda suficiente. Queriam sangue, não grãos. Queriam a essência da vida humana, não dos animais montanheses. Apenas aqueles que experimentassem a morte poderiam passar. E mortos não passam.
                
Antigamente, outros tentaram a travessia. Cansados da opressão obsessiva das montanhas, marcharam pelo Caminho. Nenhum alcançou o fim. As montanhas tomaram a todos. Engoliram-nos, lambendo os beiços. Não deixaria seus escravos fugirem, não sem tomar-lhes o sangue. Seus corpos foram empilhados à beira da estrada. Altares mortos do fracasso humano. Só havia uma saída – e ela estava vigiada. Só havia um caminho – e ele estava amaldiçoado.
                
As Damas obrigavam seus escravos a um trabalho pesado. Martelavam, cavavam, suavam e sangravam. A solução de sangue e suor regava a terra e deleitava às deusas. Eram elixires de prazer, viciantes e tentadores. E as Damas queriam cada vez mais. Davam-lhes exatamente o suficiente para manterem-nos vivos, fazendo-os suar e sangrar. Eram possessivas e protetoras. Ninguém lhes tiraria seus escravos. Ninguém desceria sem pagar com sangue.
                
Elas faziam-nos procriarem desenfreadamente. Escolhiam as jovens mais belas para copularem dezenas de vezes em rituais misteriosos, até serem encarregadas de preciosa carga – mais sangue e suor. Assim que nasciam os pequenos escravos, eram submetidas novamente aos ritos de procriação. Amarravam-nas em volta de fogueiras e invocavam os homens da tribo para que as possuíssem. Quando perdiam o vigor e a beleza, eram realocadas para outras funções, como o cuidado dos pequenos ou da terra.
                
Havia há muito uma tribo. Gente remota, selvagem e infeliz vivendo em lugares inóspitos, secretos e indômitos. Viviam das montanhas e delas eram escravos. Não lhes era permitido descer. Não sem a permissão das montanhas.
                
Um dia, alguém subiu o Caminho. As Damas tentaram detê-lo, mas não conseguiram. Seus passos eram frágeis e firmes, lentos e decididos. As Damas quiseram engoli-lo, mas não tinham poder sobre ele. Elas fizeram de seu trajeto um tormento, mas seus pés não se desviaram. Seu sangue era puro e as montanhas nada podiam fazer a ele.
                
Escalou a estrada e alcançou a tribo. Disse-lhes que vinha lhes mostrar o caminho para longe das montanhas. Confusos, alguns diziam que se tratava de um emissário das Damas, um demônio querendo enganá-los. Outros estavam tão oprimidos por suas vidas que tinham medo de deixá-las. Quiseram expulsá-lo, apedrejá-lo, matá-lo. Ele mantinha-se absorto em seus próprios pensamentos. O rugido da multidão aproximava-se. Ele chorou. Ouviu o lamento da multidão, viu a opressão nos ombros da gente, a rouquidão das vozes dos pequenos – e chorou. A multidão enfurecida queria matá-lo, mas ela não tinha poder sobre ele. Abriu a boca e sua voz ecoou pelo chão ralo. A gente emudeceu e ouviu seu canto. Dizia que vinha lhes mostrar o caminho para longe das montanhas, que iria salvá-los. A multidão o ouvia atentamente, mas apenas poucos creram.
                
O pequeno grupo seguiu-o até a nascente do Caminho. Tremeram. “Não temam” – disse ele. Mas não lhes era permitido descer. Não sem a permissão das montanhas. As Damas queriam a essência da vida humana. Apenas aqueles que experimentassem a morte poderiam passar. E mortos não passam. O cantor misterioso perfurou suas próprias mãos e marcou-lhes a testa com seu sangue. O homem ensanguentado iniciou a descida e os marcados o seguiram. As Damas tentaram detê-los, mas não conseguiram. Seus passos eram frágeis e firmes, lentos e decididos. As Damas quiseram engoli-los, mas não tinham poder sobre eles. Elas fizeram de seu trajeto um tormento, mas seus pés não se desviaram. Eles estavam puros e as montanhas nada podiam fazer a eles.

11.11.14

De poetar

O poema é ocasião.
É a foto da alma,
O prazer na calma,
A verdade na oração.

Poetar é receber o que está adiante,
Perceber seus movimentos
E - por que não? -
Sua paralisia.
É escolher a luz, o foco, a lente
E ver o diferente
Em tudo o que já é.

Poetar é dizer não à pressa,
É negar a pressão impressa
Pelo inimigo da beleza,
O diabo da nossa gente,
Que nos impede de ver a nossa
Própria
Pobreza.

Poetar é falar com Deus,
É sentir nos ossos a fraqueza
Do ser (belo) humano.
É deixar que ele enterneça
A angústia,
O orgulho,
O engano
E assim...

Entrega os olhos à luz,
A calma à rotina
E a alma a Deus.



5.11.14

Luz e Trevas

Estamos nas trevas. Na mais profunda, inexorável escuridão. Estamos tão envoltos pelos seus ramos, que estes se confundem com nossa pele, penetram nossas veias, encharcam nossas mentes, lambem nossos olhos e, até mesmo, atrofiam os músculos. A escuridão cansa, drena a própria essência da vida e quebra a vontade, mantendo-a respirando com alguns petiscos por dia. A escuridão é nossa irmã, cunhada, tia. É nosso sustento e nosso parasita. É a mão que oferece o alimento do dia e que nos arranha a garganta. Nascemos na escuridão e estamos fadados a viver a vida inteira em seus braços. Nem saberíamos como viver distante da tal implacável treva.

Veio a luz,
veio o dia...
O mais intenso feixe de luz
revelou-se
na forma
de
homem.
Paz
cristalizou-se
em
 nome.
Ele é
vida.


A luz nos feriu, causou-nos a mais intensa angústia. Os músculos gemiam, os olhos tremiam e a língua via toda dor. Alguns, não suportando a agonia, fugiam. Quanto mais a luz se aproximava daqueles que ficaram, mais repelia aquela que outrora nos sustentava. A escuridão nos chacoalhava, retorcia e flagelava. Outros correram do dia, pedindo clemência. Daqueles que ali ainda estavam, as trevas saíam deixando marcas, agarrando-se firmemente à nossa carne com seus dentes predatórios. Sangrávamos. Sangramos... Em sua ceifada final, deu-nos um golpe fatal - se ela não sobrevivesse, não também teríamos de morrer. E morremos. Nossos corpos frios, estatelados pelos chãos deste mundo enfeitavam o dia recentemente iluminado.

Aqueles que experimentaram a morte foram banhados pela luz. Os que foram quebrados pela escuridão eram aos poucos reconstruídos pelo dia. A vida, enfim, visitava o ser humano - e este nunca se sentiu tão livre...

O ladrão vem apenas para furtar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente. (Jo 10:10)
Pois sabemos que nosso velho homem foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado seja destruído e não mais sejamos escravos do pecado; pois quem morreu foi justificado do pecado. (Rm 6:6-7)
O ladrão vem apenas para furtar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente.

João 10:10