Muita da verdade ainda não se sabia, mas tinha-se a clara impressão que o bebê era de extrema importância. As circunstâncias que envolveram seu nascimento já eram cercadas de mistérios. Uma sábia anciã da aldeia previu a vinda de um menino que os faria livres da opressão do império Paersano - talvez não traria liberdade só para a sua própria aldeia, mas também para toda a extensão da Paersa. Ainda mais, quando um peregrino passava por aquelas terras e encontrou descanso na aldeia, viu a mãe, grávida do menino, e com um largo sorriso profeiriu as palavaras que marcariam seu futuro: "Serás luz para os que já estão há muito perdidos nas trevas; marcarás a trilha para a verdadeira liberdade; sofrerás por todos e ninguém compadecerá de ti na hora de dor."
As ditas palavras encheram de esperança todos os habitantes da região, que se alvoroçavam em histórias para crianças contadas nas fogueiras noturnas. Não demorou muito, grande parte do povo do Reino já se encantava com a ideia de um salvador, e algumas já inventavam feitos heróicos, sem ao menos terem ideia se toda a história era verdade ou se era apenas um mito - na verdade, a maioria do povo apesar de se encantar com a ideia de um libertador, no fundo não acreditava em tudo que contavam, pois já estavam tão calejados de desesperança, que eram incapazes de acreditar em qualquer coisa.
Acontece que mais alguns anos se passaram. E tudo continuou o mesmo. As histórias sobre o tal guerreiro lendário continuavam a entreter as crianças em noites de pesadelos, mas a esperança que por alguma razão aquela história poderia ser verdadeira se desvaneceram pouco a pouco, até morrer no coração de praticamente todas as pessoas... Praticamente.
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30.7.09
28.7.09
Sonhos levados
Olhava o dia azul-claro da janela, deitado em sua cama. Mãos entrelaçadas atrás da cabeça e sonhos se entrelaçando atrás dos olhos. Não posso dizer sobre o que sonhava... é secreto. Porém, posso dizer-lhes que se sentou, olhou os tênis e percebeu que um estava desamarrado. Abaixou-se, e ao entrelaçar dessa vez os cadarços, surgiu uma ideia, que o fez pular da cama e sair pela porta do quarto, sempre de olho na janela.
Subiu na bicicleta e saiu de encontro à rua. Pedalou por alguns quarteirões e chegou enfim a uma praça. O coração pulsava junto de seus pensamentos. Procurou por entre as flores, aquela que desejava, mas não estava ali. A frustração correu-lhe pelas veias, mas escolheu não deixar-se abater: pegou outra, talvez não fosse tão bonita quanto em seus sonhos, mas era com certeza a mais bonita naquela realidade.
Montou novamente na bicicleta e saiu rumo ao seu próximo destino. A viagem foi um pouco mais longa (não morava muito perto do centro daquela pequena cidade), mas não demorou muito já estava lá, escolhendo o presente ideal. Ficou satidefito com um belo colar dourado, fino e delicado (como ela), com um pingente em forma de Lua. Era perfeito! Exatamente como ela dizia em seus momentos juntos "O que me faz sempre me acalmar é ver a Lua lá no alto, intocável e vigilante... não há mais nada o que temer". Mas o ideal não pode ser alcançado. O preço era extremamente alto, muito mais do que ele sonhava em pagar. Sendo assim, pediu por um broche em formato de gato, o melhor que pode comprar com o pouco dinheiro que dispunha.
Saiu a pedalar de volta para casa, flor e broche na mão, ansioso em pensar que efeito surtiria sua ideia. Tão ansioso que distraiu-se. Distraiu-se e caiu. A roda derrapou de lado ao passar por um buraco, fazendo pernas, mãos e cabeça darem cambalhotas pelo ar. E sim, broche e flor também. O menino ainda se virou a tempo de ver o broche escorregando para dentro do ralo do bueiro, e foi como se ele mesmo caísse de um penhasco, quebrando o corpo inteiro. Baixou a cabeça em desânimo, apenas para descobrir que rolara por cima da flor, que se encontrava amassada debaixo de sua perna. A vida do menino por um momento desabou, afinal, naquele momento os presentes eram sua vida. E teve vontade de voltar a cabeça aos céus e praguejar contra mundo inteiro. Não dava para ser assim... tão... tão injusto!
Levantou a bicicleta, pegou a flor amassada no chão e saiu mancando. Deu ainda uma última olhada pelo bueiro, como se na esperança que o broche ainda estivesse milagrosamente por ali. Não estava. Foi levado pelas águas, assim como todos os seus planos, devastados. Chegou em casa admitindo derrota e foi lentamente para o quarto da irmã doente. Ele não percebia, mas já caiam lágrimas dos olhos, que permaneciam baixos, guiando apenas os pés, reparando em cada detalhe do chão, como se em algum lugar houvesse uma solução. Chegou na porta e segurou a maçaneta, parando por uns instantes, ouvindo seu próprio respirar. Abriu a porta já dizendo:
- Desculpe! Eu tentei fazer o meu melhor, fiz o que pude... mas eu tropecei... levou tudo... não consegui... - e esperou.
- O que você está dizendo? Eu adorei! Obrigada...
O menino, surpreso, levantou os olhos pela primeira vez e viu: a flor favorita dela, junto do broche em formato de Lua... estava tudo lá, por algum motivo...
16.7.09
Sem título
Os jardins ensaiam em sua beleza
O cantarolar de pássaros, abelhas
Rompendo junto de Sol e Lua
Vida entoada, alegria conjunta
De todo o céu e seu espelho abaixo
A Terra e o Ar adentram no compasso
Choro aflito cessa a te presenciar
Manifestação sem qualquer altar
De felicidade envolta, antes perdida
Bendizendo a mão que outrora não sentia
Lhe colher os pés no mais alto lugar
De ondas ao longe sinto o respingar
Do forte vento medo não mais tenho
Pois não caio, apoiado em teu intento
Porém minh'alma salta leve a cantar
Razão minha, mestre do meu respirar
3.7.09
O Baile de máscaras
Um dia me disseram: não confie em suas próprias palavras.
O problema, é que eu confiei.
Elas chegaram, todas em exuberantes vestidos, colares de prata e ouro, pérolas nos pulsos, me dizendo tudo o que queria ouvir. E, ao proferir as primeiras palavras (para me vangloriar, claro), alguma coisa estava muito errada. Elas pareciam combinar com o ambiente, com as luzes, o palco, a platéia, mas alguma coisa nelas... não era a cor, era outra coisa, elas estavam estranhas... elas simplesmente não estavam no tom certo. Saíram todas confiantes, dançantes, mas aqueles que entendiam do assunto não se enganavam e viam que eram grandes farsas, sem sentido, sem... recheio, por assim dizer.
Não era para ser assim.
Juro que não fiz por mal, eu... não sei, pareciam extremamente propícias, eu...
Corri para o maestro que regia uma música que eu nem mesmo ouvia e clamei-lhe "Por favor, mude o tom! Mude o tom! Não sei o que fazer, elas não estão no tom certo, não era para ser assim, eu queria de outro jeito, juro! Eu as vi dançando escadas abaixo e cantando numa melodia que... estão exatamente como imaginei... O senhor deve estar errado, o senhor..." E, então, ouvi.
[a música...]
Meu rosto tornou-se vermelho e senti vergonha do meu terno. O que estava fazendo ali? Aquela música era perfeita, trazia as exatas notas carregadas cada uma de tamanha harmonia, como se todas as outras músicas no universo fossem meras tentativas de a imitar. Cada som (e pausa) trazia consigo todo o sentido contido em toda Terra. Todas aquelas vezes que você se alegrou porque não havia fila para comprar o café, toda vez que seu time fez um gol ou que o seu amor o beijou. Estavam todos contidos ali (e muito mais, eu só não sei descrever o mundo inteiro num texto...)
Olhei de novo para minhas palavras, dançando em volta dos convidados, ao redor dos gigantes lustres de vidro. Algumas pessoas as admiravam e até soltava-se umas palmas de vez em quando, mas... o que mais? eram bonitas, mas... o que é isso, comparado ao mundo?
Minhas mãos embranqueceram, e lágrimas chegaram aos olhos.
O dono da música me passou um papel.
"Por que não tenta agora, partindo da minha música... só acompanhe!"
Digo que... foi tudo diferente.
Acho que nunca mais fiz palavras tão belas quanto as daquele dia. E, para ser sincero, não gostei de todas as que fiz desde então. Algumas tem rugas, outras machucados, umas até saem suaves e graciosas, loiras e temerosas (daquele tipo fácil de se apaixonar...), mas nem todas são assim (e de certo, nenhuma carrega o peso das jóias daquelas princesas de outrora). Mas, vem cá... não somos todos assim? imperfeitos... e cheios de sentidos que nem imaginamos? Para uma palavra ser carregada de sentido, ela tem de ser humana. Pois, como falarei a humanos, dizendo palavras de príncipe? Quem as entenderá?
Só se pode chegar a um humano, de forma... humana.
Um Deus relacional só existe, se um dia ele foi humano...
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