Percebi-o enquanto me ocupava com os fones de ouvido. Viagens obrigatórias de ônibus não são lá tão divertidas, principalmente quando se está sozinho. Os fones enroscaram no boné - tão baixo, que me protegia de ter que olhar para as outras pessoas. Vendo a minha falta de destreza, o mesmo boné resolveu o problema: "Deixa que eu saio por uns instantinhos... afinal, assim também ganho um descanso. Sua cabeça não é tão confortável assim, sabe?". Ignorei este último comentário, mas aceitei o favor.
Assim que o boné pulou de seu confortável lugar, vi-o, olhando para mim. Nossos olhares persistiram, até que ele desviou levemente para cima, mas não como sinal de derrota, havia nele uma superioridade, era como se ele não precisasse de mim e eu necessitava do seu olhar. Eu era o inferior.
Para o meu sossego, ele atendeu ao meu clamor e voltou novamente seus olhos para os meus. Olhava curioso. Olhava bravo. Olhava choro. Não sabia direito como olhava, só que não fazia mais nada; não chorava, nem ria, não dava o menor sinal de satisfação (como era habilidoso no olhar, mesmo tão pequeno!).
Balancei aos poucos minha cabeça, acompanhando o ritmo da música que saía dos fones. Mal sabia eu que não se consegue ouvir nada de um fone que já se encontra posto - uma lei quase universal, ali ignorada. Até meu boné riu de mim. Não liguei. Continuei balançando a cabeça, na expectativa de que este gesto quase-louco sustentasse seu olhar. Não adiantou. Olhou para tantos outros lugares, e olhava com a admiração que faltava em mim, com espanto, como se tudo fosse novo, até as cores. Os dedos descobriam tudo que tocavam e valia tudo a pena.
De repente, ele saiu, me deixando sozinho.
Senti-me como ele, como um pequeno bebê. Não sei se ainda me recuperei do encanto.
Lindo , Lindo...
ResponderExcluirquanto tempo eu não aparecia por aqui.
Bêbes são um encanto, nos deixam assim, com vontade de tê-los perto. Deve ser instinto.
=P
beijo.