Era
o que respondia na idade de criança quando lhe perguntavam sobre sua
futura carreira. Não acreditavam, seu pai e mãe, não levavam a
sério. Errou por pouco. Era bancário. Mas, num belo sábado decidiu
desobedecer. Vestiu suspensórios, um nariz vermelho, um rosto branco
e algumas bolas coloridas.
Foi
até o semáforo. Observou os carros passar. Vermelho. Foi até o
meio da rua. Jogou as bolas ao ar, uma a uma. Uma a uma caíram –
no chão. Passou a procurar as bolas, que se meteram debaixo dos
carros. Quando estava para pegar a última: verde. Estava lá no meio
da rua e ouvia as buzinas. Era atormentado por elas, cercado,
inundado, surrado. Críticas. Caiu – desta vez ele. Observou os
carros passar até parar e engatinhou por entre eles para a longínqua
calçada. Talvez não precisassem de palhaços no semáforo.
Decidiu
tentar novamente no domingo. Saiu para o maior centro social de seu
tempo, o grande mercado globalizado diminuído em versão local,
ainda com nome estrangeiro, shopping mall.
Empurrou a porta, mal notado, mesmo com suas cores. Dirigiu-se à
grande feira mundial de comidas. Jogou as bolas para o alto, uma a
uma. Uma a uma caíram – no chão. Recolheu-as e jogou novamente.
Uma caiu em sua mão, outra na outra, a terceira... Recolheu-as. A
primeira – mão –, a segunda – mão –, a primeira – ar –,
a terceira – mão –, a segunda – ar –, a primeira – alguém
lhe esbarra e as bolas caem no chão. Quando recolheu as bolas pela
terceira vez, olhou ao redor. Seus olhos não encontraram nenhum
outro. Eram todos máquinas sem luz, programados para ouvir e ver
apenas o que aprazia ao shopping.
Foi para casa.
Obstinado,
acordou na segunda-feira sem descanso. Seria palhaço de novo. Vestiu
o suspensório, o nariz vermelho, o rosto branco e as bolas
coloridas. Entrou no prédio, no elevador. Sexto andar, o escritório.
Telefones e passos no carpete bege. Camisas brancas enfeitadas por
gravatas cinzas. O mesmo som, repetido, repetido, repetido: “Banco
dos sonhos, aguarde; Banco
dos sonhos, aguarde; Banco
dos sonhos, aguarde”. O
palhaço olhou para as cores em sua mão. Elevador; último andar;
escada e teto. O palhaço observou o movimento embaixo, carros em
linha, na mesma direção – cinza, preto, branco, prata. Inclinou
um pouco para frente e deixou o peso do corpo fazer o resto.
O
mundo não quer saber de palhaços, apenas de cadáveres – e quanto
se pagará por caixão e lápide, conjunto promocional.
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